Um ICMS sem solução

Houve sensível progresso em relação ao ICMS, na reunião dos governadores com o Presidente, no que concerne a aceitação da tese da federalização normativa do tributo. De rigor, o que os governadores acordaram foi fortalecer o poder normativo do Congresso Nacional, quanto ao referido imposto, com a possibilidade de a lei complementar n. 87/96, que hoje rege a matéria, ser substituída por uma lei que elimine a guerra fiscal entre os Estados.

Em nível constitucional, todavia, o problema continua sem solução. As mesmas dificuldades que todos os que se envolveram, nos últimos 8 anos, na busca de um regime ideal para este imposto de vocação nacional e, no Brasil, curiosamente entregue à competência impositiva dos Estados, remanescem e, a meu ver, sem solução possível. E não há solução possível porque o imposto não poderia ser dos Estados e sim centralizado ou federalizado, como o é em, aproximadamente, 100 países.

Estou absolutamente convencido de que a falsa polêmica colocada pelos Estados consumidores -que, apesar de terem menos população que os Estados produtores, têm maioria no Congresso sobre o regime de destino é questão de impossível solução, não o tendo nem o Deputado Mussa Demes, nem o Deputado Germano Rigotto, apesar de sua indiscutível autoridade, conseguido superar dificuldades inerentes à inadequação da regionalização de um tributo de vocação nacional.

Sugeriu, o Deputado Mussa Demes, a chamada “operação barquinho”, pela qual o Estado de origem nada cobraria de ICMS, quando remetesse para outros Estados suas mercadorias, transferindo-se o ICMS estadual para o ICMS federal, que, cobrado pela União, seria compensado do ICMS federal do destino. Tal operação, todavia, acarretaria um acúmulo de ICMS federal “incompensável” no destino, pois, em uma reforma, o ICMS federal teria alíquota menor que o ICMS estadual.

A solução do Deputado Germano Rigotto de criar-se uma “Câmara de Compensações”, também enfrenta idêntico problema, pois mesmo a União Européia, que formulou tal hipótese no início da década de 90, embora contando com superior experiência em tratar com a “ténica não cumulativa”, encontra dificuldades na sua operacionalidade. É que o Estado produtor teria que fiscalizar e cobrar o tributo para remetê-los para o Estado importador, sem qualquer benefício, esperando que o Estado importador fizesse o mesmo, quando na posição de exportador. E, no fim do período, far-se-ia uma compensação entre as “exportações” e “importações”, passando o Estado com saldo credor do ICMS a receber do Estado devedor do ICMS o diferencial.

Se os Estados exportadores não cumprirem a regra de bem fiscalizar e de arrecadar o tributo gerado em seu território, mas pertencente ao outro Estado, poderia acarretar, para um Estado importador, o pior dos males: repassar o que fiscalizou e não receber o tributo que lhe pertine porque o outro Estado não fiscalizou adequadamente.

Mesmo na União Européia, o receio de que o esforço fiscalizatório seja menor quando o resultado da fiscalização não beneficia em nada o Estado que fiscaliza, tem dificultado a implantação do sistema aprovado desde o início da década de 90.Pior do que tudo, todavia, seria o impacto para o contribuinte brasileiro, visto que os Estados “importadores líquidos”, que terão sua receita aumentada, serão beneficiados consideravelmente. E os Estados “exportadores líquidos” cuja receita será diminuída, terão que ser “compensados”, e só há uma forma de “compensação possível”, ou seja, o aumento da carga tributária para os contribuintes.

Em outras palavras, apesar de a carga, hoje, estar em 37,2% do PIB o que é aético e confiscatório para um país que presta serviços públicos sofríveis, visto que, em grande parte destinada a manter privilégios para os detentores do poder (a previdência é o exemplo) certamente dias piores virão para todos os contribuintes, se se adotar tal regime.

Por fim, um último argumento. Diz-se que é mais justo que o Estado consumidor fique com o ICMS incidente. Pergunta-se é justo que o Estado produtor, que deve ofertar as estruturas para as empresas produzirem, não fique com nada? É justo que o Estado que gasta mais fique sem nada e o Estado que gasta menos fique com tudo? Não é mais justo que cada um fique com uma parcela do ICMS, definindo-se o porcentual razoável para quem gasta mais, produzindo, e para quem gasta menos, consumindo? E, por fim, não será muito mais difícil fiscalizar a ponta do consumo, com um número maior de contribuintes, do que a ponta da produção, com um número menor de contribuintes?

Nos países que adotaram o IVA, a questão “origem-destino” praticamente não existe e se existe, na União Européia, decorre de haver um único regime previsto para 15 países. À evidência, não é o caso do Brasil.

Creio que se deveria discutir a fórmula que propus, no início da década de 90, dos 4 impostos da Federação partilháveis entre União, Estados e Municípios, sendo o imposto circulatório IVA regido por lei federal, mas cobrado pelos Estados, repassada a receita para as diversas unidades federativas, naquilo que competir a cada uma. Fórmula, aliás, que prevaleceu na Comissão Miguel Reale, criada pelo Governo do Estado de São Paulo para a Revisão de 93, e da qual muito me honrou participar.

Reitero o que disse no princípio. O ICMS não teve uma solução possível, nos 8 anos de discussão do PEC 175, durante o Governo Fernando Henrique, não por incompetência dos ilustres deputados, que dele cuidaram, mas simplesmente porque para um imposto de vocação nacional, a regionalização é impossível.

Ives Gandra Martins é professor Emérito da Universidade Mackenzie e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Advogado da Advocacia Gandra Martins.

* Esse artigo não reflete necessariamente a posição do escritório Soares de Mello e Valim Advogados Associados

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