10 de julho de 2023
De manifesta inconstitucionalidade é a nova tentativa governamental de controlar a sociedade e restringir direitos, pelo balão de ensaio lançado, objetivando obrigar os advogados a denunciar operações suspeitas de seus clientes.
À evidência, o advogado que tiver conhecimento de operações suspeitas praticadas por quem não é seu cliente nem o tenha consultado como profissional, pode como qualquer outro cidadão, levar os fatos ao conhecimento de autoridades, para que sejam investigados.
Se, entretanto, teve ciência de tais eventos em virtude de consulta que lhe tenha sido formulada por quem os praticou ou de alguma forma deles participou, jamais poderá revelá-los sem que incorra em grave violação ao Código de Ética Profissional e à Constituição. E a vedação subsiste mesmo que o advogado, após conhecer os fatos, não aceite defender o consulente.
O direito de defesa é um dos direitos fundamentais. Todos têm direito a ele, que é amplo, quer na esfera judicial, quer na administrativa, por força dos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal. E a eficácia desse direito depende da atividade do advogado, que por essa razão é considerada pela Lei Maior essencial à Justiça.
Ora, o sigilo é inerente ao exercício da advocacia. Mesmo que seu cliente, no confessionário que é seu escritório, reconhecer-se culpado de um ato criminoso, o advogado, jamais poderá revelar a informação que recebeu sob sigilo, a menos que a tanto seja autorizado por seu constituinte e considere conveniente. Fora dessa hipótese, caber-lhe-á retirar-se da causa, se não se sentir em condições de a continuar patrocinando, ou defendê-lo, cabendo à acusação encontrar os caminhos para a condenação.
O sigilo do profissional da advocacia está consagrado no inciso XIV do art. 5º da Constituição Federal que dispõe:
“é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
Por ser essencial ao exercício profissional, tal sigilo encontra respaldo também no artigo 133 da Carta de 1988, que, ao reconhecer a advocacia como atividade indispensável à administração da Justiça, declara que o advogado é inviolável no seu exercício profissional.
Tal disposição representa uma blindagem prudentemente outorgada pelo Constituinte, contra medidas arbitrárias que visem restringir ou suprimir o exercício do direito de defesa, como aquela ora cogitada pelo Governo Federal.
E o Código de Ética Profissional outra coisa não faz que determinar o mesmo princípio, estando seu artigo 26 assim redigido:
“O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor, como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte”.
O que distingue uma democracia de uma ditadura é o direito de defesa. Nas ditaduras, pode até mesmo haver um simulacro de processo judicial, com condenações previamente estabelecidas, o que torna este direito nitidamente inexistente. Nas democracias, não. Nelas, o advogado exerce a função essencial de permitir que este direito, seja amplo e irrestrito, dentro da lei.
Diante da clareza do texto constitucional e das lições que a História nos dá, pretender que o advogado revele operações “suspeitas” – o que por si só já traduz uma avaliação subjetiva – não pode ter outro objetivo que reduzir este direito democrático a sua expressão nenhuma. Não sem razão, a Folha de São Paulo comparou a tentativa governamental às medidas implementadas pelo “Big Brother”, da obra “1984”, de Orwell.
O que me preocupa, nas diversas sinalizações emanadas dos bastidores do governo, é que se pretende controlar tudo, a saber: o Judiciário (controle externo), o Ministério Público (controle externo), a advocacia (revelação de segredos profissionais), a imprensa (controle da atividade pelo Conselho Federal de Jornalismo), a produção audiovisual (controle semelhante), as agências reguladoras (tirando-lhes autonomia), a Universidade privada (estatizando vagas), cargos públicos (muitas vezes preenchidos sem concurso), obras públicas (muitas vezes realizadas sem licitação), num caminho pouco democrático para uma sociedade pluralista, como é a brasileira.
Alega-se que a medida não se destinaria a obrigar o advogado a revelar segredos profissionais. Ora, se não tiver esse escopo, então será absolutamente inócua, pois tudo o que o cliente revela ao advogado – ainda que este não aceite patrocinar sua causa – é coberto pelo sigilo profissional. Se tiver, será manifestamente iníqua e flagrantemente inconstitucional. Teríamos, portanto, ou uma medida de absoluta inocuidade, ou de manifesta inconstitucionalidade. A sua aplicação representaria arbitrariedade sem precedente, neste País, ninguém mais tendo a segurança jurídica, nem direito de defesa. Isso sem falar nas consequências imputadas ao próprio advogado, se as autoridades vierem a considerar suspeitas operações que, para o profissional, não foram tidas como tal.
Creio que, se o governo insistir neste tipo de controle, certamente o Conselho Federal da OAB e os partidos políticos que defendem a democracia, no Brasil, ingressarão com ação direta de inconstitucionalidade contra a medida, para atalhar o seu “viés ditatorial” – para dizer o menos -, já que objetiva reduzir o direito de defesa a sua expressão nenhuma.
Ives Gandra Martins é professor Emérito da Universidade Mackenzie e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Advogado da Advocacia Gandra Martins.
* Esse artigo não reflete necessariamente a posição do escritório Soares de Mello e Valim Advogados Associados
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