A isenção ou não-incidência das variações Cambiais.

Com o término do prazo para declaração do imposto sobre a renda de pessoas físicas e o curso do prazo para declaração de investimentos estrangeiros ao Banco Central, coloca-se, novamente, a questão referente à tributação ou não das variações cambiais de aplicações financeiras no exterior.

A Lei Complementar n. 104/01 introduziu o § 2º ao artigo 43 do CTN, com a seguinte dicção:

“Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo”.

Por outro lado, a Lei n. 9520/95, em seu artigo 25, §§ 3º e 4º declara:”§ 3º Os bens existentes no exterior devem ser declarados pelos valores de aquisição constantes dos respectivos instrumentos de transferência de propriedade, segundo a moeda do país em que estiverem situados, convertidos em reais pela cotação cambial de venda do dia da transmissão da propriedade. § 4º Os depósitos mantidos em bancos no exterior devem ser relacionados pelo valor do saldo desses depósitos em moeda estrangeira convertido em reais pela cotação cambial de compra em 31 de dezembro, sendo isento o acréscimo patrimonial decorrente de variação cambial” (redação da M.P. 2189-49 de 23/08/01),tendo o manual do imposto de renda de 2003 reduzido o espectro de “depósitos mantidos” para “depósitos não remunerados”, apesar de a I.N. SRF 15 de 06/02/01 reproduzir a dicção da lei, ou seja, “depósitos mantidos”.

A questão que se põe é a de saber se é ou não possível tributar a variação cambial das aplicações financeiras no exterior, inclusive de depósitos remunerados.

Tenho para mim que não. As aplicações financeiras no exterior são feitas em moeda “não brasileira”, de tal maneira que os rendimentos em moeda estrangeira decorrem do resultado da aplicação financeira, nesta moeda. A mera variação cambial positiva ou negativa não é fato gerador de imposto sobre a renda, à luz do conceito do artigo 43 do CTN, que apenas considera o acréscimo decorrente do aumento de “disponibilidade econômica” e jurídica. Ora, não há aumento de disponibilidade de aplicação em moeda estrangeira, sempre que o governo é incapaz de manter estável a moeda nacional. Incapacidade de manter estável a moeda nacional não pode ser fato gerador do imposto sobre a renda, visto que, em relação às moedas, cujos governos as mantenham estáveis não há qualquer renda decorrente da “não variação cambial”, nem havendo, por decorrência, o imposto pertinente.

À luz, portanto, do artigo 43 quem possui 100 mil dólares, continuará possuindo 100 mil dólares, se a moeda nacional se desvalorizar, não sendo, a incapacidade do governo brasileiro de garantir o poder de compra da moeda nacional, fato gerador do imposto sobre a renda, até porque violaria o princípio geral de direito de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.

Esta é a razão pela qual, pessoalmente entendo que o § 3º não cuidou de uma “isenção”, ou seja, de um favor fiscal, pois a inconstitucionalidade da variação cambial decorre da inexistência de “disponibilidade acrescida em moeda estrangeira” e sem disponibilidade não há imposto sobre a renda.

Por esta linha de raciocínio, com fundamento no § 4º da Lei n. 9520/95, a variação cambial decorrente de aplicações financeiras mantidas no exterior necessariamente deveria ter o mesmo tratamento dos depósitos mantidos (remunerados ou não) em instituições estrangeiras, que não são isentos, mas apenas intributáveis pela inexistência de acréscimo patrimonial.

Em outras palavras, numa interpretação coerente do CTN (art. 43 “caput”) e que não homenageia a “torpeza” (sentido jurídico do vocábulo) de quem seria premiado pela incapacidade de manter estável a moeda nacional, qualquer que seja a aplicação financeira no exterior, deveria ser tributado apenas (ganho ou rendimento de capital) o montante que representasse acréscimo em moeda estrangeira à aplicação, cuja variação cambial, em qualquer das hipóteses (depósitos ou aplicações) não poderia jamais ser incidida.

Como a necessidade de o governo manter privilégios previdenciários, máquinas administrativas esclerosadas, multiplicação de cargos e funções públicas e rolagem da dívida pública acrescida da CPMF sobre ela incidente –que aumenta a taxa de risco Brasil e dificulta a vida das demais entidades federativas e das empresas nacionais– é imensa, creio ser bem possível que continue o Fisco Federal a tentar macular o direito, pretendendo exigir imposto sobre a renda sobre ganho de capital inexistente nas aplicações financeiras no exterior, com o que caberá ao Judiciário, um dia, restabelecer a ordem jurídica e o primado da lei no que diz respeito à não incidência do referido tributo na variação cambial de tais ativos.

Ives Gandra Martins é professor Emérito da Universidade Mackenzie e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Advogado da Advocacia Gandra Martins.

* Esse artigo não reflete necessariamente a posição do escritório Soares de Mello e Valim Advogados Associados

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